TERMAS DE VALS: A CONSTRUÇÃO DE VAZIOS

AUTORA:

ALLANA NOVAIS DE ARAÚJO SILVA (ArqUrb/UEG) - email: allana.oi.an@gmail.com

RESUMO

O ensaio aqui elaborado trata de questões referentes ao projeto da Terma de Vals, desenvolvido pelo arquiteto suíço, Peter Zumthor. Fazendo um apanhado e compreendendo as diferentes questões inerentes ao projeto, como o sítio em que se localiza, sua implantação, materialidade entre outros, vou para além da análise dos cheios para então compreender seus espaços vazios criados, sempre tendo como objeto principal a própria arquitetura em sua concretude. A fim de melhor assimilar a complexidade desses espaços criados, busco um diálogo com outros autores em suas teses de mestrado, deixando, assim como o próprio projeto, espaço para discussão. 

PALAVRAS-CHAVE: 

Peter Zumthor. Termas de Vals. Espaços vazios. Suíça. Arquitetura. Vals.

TERMAS DE VALS: A CONSTRUÇÃO DE VAZIOS

Espaço e lugar Muito além das sensações provocadas pelo projeto das Termas de Vals, de Peter Zumthor, vou em busca da licença da vivencia única dos espaços a qual o edifício propõe, através de seus cheios, mas principalmente de seus vazios.

Localizado em uma pequena comuna da Suíça, Vals conta com cerca de mil habitantes e é agraciado pelas únicas fontes termais da região de Cantão de Grisões, que fica ao leste do país. A se inspirar pela ideia romana de banho como parte da vida social, política e econômica, além da questão mística de limpeza apontada pelo arquiteto Peter Zumthor, a Suíça também tem fama de longa data pelas fontes termais, como a de Baden.

Se tratando de Vals, a pequena vila se encontra no interior dos majestosos Alpes Suíços, a uma altitude de 1.250 metros acima do nível do mar. Em sua paisagem, predomina o tom acinzentado das montanhas, a qual se estende para arquitetura local, que se apropria e faz uso de materiais ali presentes, como a pedra de quartzito e a madeira. Com uma população de pouco mais de 1.000 habitantes, a vila se desenha e se estende pela estreita estrada que parece delimitar o vale formado pelas montanhas, como podemos observar na imagem a seguir.

       Fonte: Google Earth

Ainda devido a toda essa sinuosidade do terreno, a vila acaba por se desenvolver de forma concentrada nesse vale, e a implantação das Termas de Vals não foge muito disso. Por se tratar de um projeto que integra edifícios preexistentes, a Terma, apesar de se encontrar em uma das extremidades, ainda se insere na vila em si – assim como as montanhas -, tendo em seu entorno imediato diversas outras construções, como podemos observar na imagem abaixo.

Fonte: Google Earth

A fim de reavivar o setor hoteleiro da região e observada a potencialidade das águas termais ali existentes, foi idealizado a construção de uma terma que integrasse o complexo de hotéis do local. No concurso desenvolvido para a escolha desse projeto, tinha como única restrição que o edifício não perturbasse as vistas dos hotéis para as montanhas, sendo assim, no desenvolvimento do projeto que foi ganhador, Peter Zumthor com olhar sensível para o sítio ao qual tem familiaridade – visto que ele é suíço -, entendeu que a região tinha como elementos principais montanha, pedra, água, não podendo assim o edifício ser diferente.

Projetado pelo suíço Peter Zumthor, a Terma de Vals conta com fontes de diferentes temperaturas, saunas, sala de massagem, banheiros coletivos e individuais, e espaço para duchas.

Pela sinuosidade do sítio em que foi implantado, estando aos pés de uma das montanhas -como podemos observar na imagem a seguir-, a Terma de Vals conseguiu se integrar de forma tal na topografia que parece parte da própria formação geográfica da região, se confundindo ainda mais devido a cobertura verde adotada, assim como a relva que cobre as montanhas. Tal implantação já nos dá uma breve ideia dessa busca de criar espaços dentro da montanha para experimentação única de cada pessoa.

Fonte: Google Earth 

Maquete digital. Observa-se como o edifício das Termas de Vals (em destaque) parece brotar da topografia.

Fonte: Universidade dos Andes

Por se tratar de lugar montanhoso onde o terreno é muito acidentado, o acesso se dá por um corredor subterrâneo que parte do complexo de hotéis (mas que também é aberto para os moradores da região), que guia para essa imersão das fontes termais, em um jogo de penumbra, iluminação baixa e sentidos aguçados. A forma é de uma simplicidade que se mistura e se mostra calma em relação ao meio, foge do natural com seus ângulos retos e racionalidade, mas engloba todos os elementos naturais da vila. Tem suas paredes e pisos revestidos pela pedra local, o quartzito cinza, de modo que estabelece maior comunicação com os casebres da região e o tom sóbrio das montanhas.

A sensibilidade de reconhecer o lugar, suas sensações, seus elementos e as limitações humanas, se desenvolveram na licença poética dada às pessoas de desbravar e sentir à sua maneira aquele lugar. De que forma? Indo para além da construção de um edifício, tendo o espaço como consequência, na construção do vazio, podemos perceber isso melhor através das imagens dos croquis projetuais do arquiteto aqui abaixo.

Imagens do processo de desenvolvimento do partido de Peter Zumthor.

Fonte: Claudio Filipa

Essa construção do vazio é perceptível e possível graças a estrutura e os módulos adotados para composição da forma. O edifício em si é composto por 15 módulos cúbicos em formato de “C” com a laje flutuando em balanço. Nos encaixes entre módulos, existe um vão de delicados oito centímetros de distância – como a imagem abaixo demonstra- , como fendas em uma montanha, em uma combinação de luz e sombras na cobertura, mas que no pavimento guiam a água. Apesar do edifício parecer maciço, os blocos que o compõem aparentam ser mais uma delimitação para o vazio e espaço, do que de fato a construção de cheios.

Vista interna do edifício mostrando a fenda de 8 centímetros que se forma na junção dos módulos

Fonte: ArchDaily

A partir dessa ideia, parto do pressuposto que o arquiteto usou de uma licença poética para que o partido se desenvolvesse como espaços na montanha, em um edifício que se confunde com a própria terra e paisagem natural local, para imersão e vivencia do lugar em seus aspectos naturais pelas pessoas que ali fossem conhecer.

Afim de abrir espaço para essas vivencias, e a criação de narrativas próprias deixadas a cargo de cada pessoa que experiência o lugar, além de se apossar de elementos ali presentes, com a ideia de “construir na pedra, com a pedra, dentro da montanha, brotando da montanha, pertencendo à montanha” (PETER ZUNTHOR), o arquiteto cria labirintos e poços de banhos como se de fato pudesse penetrar na montanha, dando e retirando luz, dando e retirando as visões externas, como se pudesse experenciar o lugar por dentro, tornando-se assim o edifício um elo entre as pessoas e o próprio lugar, vem da delicadeza de tomar para si a essência desse lugar.

Como consequência da criação desse elo, pode-se perceber que o edifício se porta como um mediador do paradoxo de voltar-se as raízes e ser moderno. Neste caso temos uma estrutura moderna, uma forma moderna de construir utilizando de materiais regionais, se integrando a essa regionalidade sem gritar ou impor sua presença. Nota-se uma preocupação muito maior do arquiteto com o contexto, fugindo da mera estética. Não se tem ali grande expressão formal em suas fachadas, mas ao contrário, o edifício se funde e se confunde na topografia, se alinhando as linhas horizontais do sítio, como se realmente fosse parte da montanha a agraciar as pessoas a experimentação. Podemos observar melhor nas imagens abaixo a fachada silenciosa do edifício e sua implantação.

 



Imagem da implantação do edifício/ Fachada do edifício

Fonte: Archdaily

Ao ler o texto publicado de Esdras Santos em seu blog, onde ela reflete sobre a simplicidade geométrica do edifício, e como isso acaba por guiar uma sinfonia entre luzes e sons, deixando como protagonista absoluta a água, me atrevo, na teimosia dessa reflexão sobre o espaço vazio criado para experimentação das pessoas, que a água ali presente, em sua virtude de adaptação e de encontrar caminhos por onde segue, apenas se encaixou em meio àquela caverna de labirintos, como se formasse poços e preenchesse vazios topográficos ali existentes, mas ainda assim, apesar do programa de termas, vejo as águas como o “cheio” que pode ser experenciado, sentido, que pode ocupar o lugar, não de forma brusca e impositiva, gerando assim uma experiência completa dos elementos inerentes daquela terra, com vapores – como a imagem abaixo ilustra -, umidade, e suas temperaturas.

A luz difusa em meio ao vapor das águas.

Fonte: ArchDaily

Ou ainda, pelo contrário, não recusando o que a Esdras Santos disse, mas complementando, como se a água tivesse aberto os caminhos em meios a montanha, gerando esses labirintos e poços. Como se o pensar nesse programa tivesse gerado vazios tão fluidos, labirínticos, de modo que então, esse “pensar” na água, tivesse aberto e dado essa licença para que as pessoas pudessem sentir. Aberto não somente a montanha, mas organizado a experiência, o sim e o não, a permissão e a censura desses lugares de experimentação, de vistas, de iluminação até.

A partir disso, percebendo o projeto em seus múltiplos detalhes, é como se o arquiteto quisesse complementar ou validar de forma arquitetônica, na sutileza do designe essas características naturais, não de forma decorativa, mas como parte vital para o entendimento do todo. O jogo de luzes coloridas para diferenciar as temperaturas das piscinas, luzes e sombras como fissuras na montanha, a textura da pedra, as aberturas que emolduram a vista exterior, como na imagem abaixo.

Vista de uma das aberturas do edifício.

Fonte: Casa Vogue

Com a ideia de construir em um monolito, excluindo partes para criar vazios e espaços, percebemos antes de tudo uma inquietação do arquiteto, Peter Zumthor, com a preocupação de primeiramente partir do macro, que seria a observação do entorno, para o micro, sendo esses as questões detalhistas de design. Com uma arquitetura que funciona e pertence somente àquele lugar, mas com um racionalismo claro em suas formas, na sua construção e em seu processo projetual.

Esse partido projetual é observado em diversos momentos, o lugar, a arquitetura e seu programa são pensados dentro de um todo, nunca de uma forma separada. Mesmo o programa, este não é segmentado e pensado de forma a encaixar espaços pré configurados, o arquiteto mesmo fala de uma limpeza de imagens em seu processo de desenvolvimento de projeto, não se remetendo por exemplo as termas romanas no partido projetual. Em vista disso, cada coisa e detalhe é pensado englobando todos esses aspectos, porque aquele projeto daquela forma só seria possível através daquele lugar em que se insere, daquele programa pedido. As aberturas existentes ali – como a imagem abaixo apresenta - são uma representação desse pensamento, de modo que elas acontecem com ritmo, ciente da vista obtida, acolhendo a paisagem ao redor, permitindo que o edifício seja penetrado e da particularidade do programa que ficaria exposto.

Imagem Fachada do edifício

Fonte: Casa Vogue

Segundo análise de Juliana Philipa (2019) “Compor espaço através do silêncio”, partindo da fala do arquiteto Peter Zumthor sobre a obra e o vazio como recipiente para as emoções, sendo ou tendo o vazio como uma criação de atmosfera para receber então essas emoções, entende assim o silencio como uma meditação poética para a imaginação, mas muito mais do que isso, percebo não como um silêncio da arquitetura, mas de fato como criação de espaço para que se preencha, conforme os filtros pessoais e vivencias, de significado, de criação de narrativa do que é o lugar e aquela natureza, muito mais do que a arquitetura.

Partindo disso, coloco em questão a criação não de uma arquitetura que se impõe no ambiente, mas que nasce dali, que apenas abre espaço para se vivenciar de forma mais íntima seus principais elementos, a montanha, a pedra e a água. O projeto se equilibra e dissolve pela natureza, cria significado a vivencia do espaço, parece que a todo o tempo o projeto quer  manter as pessoas em ligação com o lugar em que se está, não em um “mundo paralelo” com os sentidos conectados a uma arquitetura completamente desconectada do espaço em que se insere, mas tão presente que é o próprio espaço. Peter Zumthor, conecta as pessoas ao espaço, como se a paisagem em que viram e se encantaram ao chegar no vilarejo, desse a possibilidade de se fazer sentir por dentro, a montanha em seus labirintos, a pedra em suas rugosidades, e a água que encontra vazios destinados a ela, que com seu caráter vivido preenche lacunas, que com seu vapor difunde ainda mais a luz, que em seu movimento cria sons, e interage com a sensualidade da pele.  

Feito na montanha, com pedras que pertencem ao tempo, com a relva que com o tempo igualmente muda, encontra na água a força que penetra e abre labirintos, onde as pedras delimitam o vazio.

Na sensualidade da pele que sente, na inquietude dessa mesma pele que responde, um arrepio na alma, o vazio se enche de significados, é preenchido pelos filtros tão distintos quanto as próprias pessoas que os carregam.

A matéria traz a todo o tempo as pessoas para a concretude do lugar onde se está, deixando seus corpos bem conectados as rochas, com verdade na matéria em que são feitos, labirintos são criados. Abro a discussão para se este estudo poético, sobre o edifício em sua concretude, foi a forma melhor encontrada pra se buscar compreender esse projeto, em divagações sobre o objeto busquei solides em repostas sobre a matéria.

REFERÊNCIAS

  Autor desconhecido. "Termas de Vals / Peter Zumthor" 13 abr 2015. Disponível em: https://www.plataformaarquitectura.cl/cl/765256/termas-de-vals-peter-zumthor

 

CLÁUDIO, Filipa Isabel Gabriel. O conceito: elemento gerador de projecto. 2013. Dissertação de Mestrado.

 

COSTA, Márcio. Paralelismos:Termas de Vals, a obra prima de Peter Zumthor. Disponível em: https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/13.156/4997

 

 

 FRACALOSSI, Igor. "Clássicos da Arquitetura: Termas de Vals / Peter Zumthor". Disponível em: https://www.archdaily.com.br/

 

GERMANO, Beta. Conheça 7182 Hotel Vals, com termas projetadas por Peter Zumthor. Disponível em: https://casavogue.globo.com/

 

MARQUES, Juliana Philipa Santos. Compor espaço através do silêncio: sobre a materialização do vazio para a poética do espaço. 2019. Dissertação de Mestrado.

 

RAMOS, Ana Cristina Lopes - A piscina de marés e as termas de Vals: por uma recuperação da experiência. Coimbra, 2012.

 

SANTOS, Esdras. Termas de Vals. Disponível em: https://www.esdrasantos.com.br/

 

SOUZA, Eduardo. "Termas de Vals de Peter Zumthor pelas lentes de Fernando Guerra ". Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/798132/termas-de-vals-de-peter-zumthor-nas-lentes-de-fernando-guerra

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