SACRALIDADE DE BRUDER KLAUS: A busca pelas manifestações místicas

OUTUBRO 26, 2020

Autora:

Geovanna Castro Meireles (Arq/Urb/UEG) e-mail: geovanna0699@gmail.com

RESUMO: O presente ensaio tem o intuito de analisar de maneira concisa e clara a concepção projetual da capela Bruder Klaus de Peter Zumthor, baseando-se no pensamento teórico de Mircea Eliade segundo o sagrado e o profano, e demais teorias que envolvem a misticidade entorno da capela.

 

Palavras-Chave:  Bruder-klaus. Peter-Zumthor. Sagrado. Profano.

 

INTRODUÇÃO

Qual a intensão de Peter Zumthor, para o projeto da capela Bruder Klaus? O projeto aparenta ser minimalista e pequeno, porém apresenta inúmeros detalhes e referências que só foram possíveis através de análises gráficas e teóricas que posteriormente foram colocadas em pauta junto com pensamentos de diversos autores, de a cordo com a ideia do sagrado.


 Um polígono irregular de 5 lados e 12 metros de altura em meio a um campo na cidade de Mechernich na Alemanha, mostra a poesia na arquitetura de Peter Zumthor. A capela foi feita a pedido de um casal de agricultores em 2007 para a princípio dedicá-la ao santo irmão Klaus, padroeiro da Suíça, país de origem


Figura 1: Vista em perspectiva da capela Bruder Klaus.

Observando a vista frontal da capela, nota-se que em comparação com a escala humana, a capela se transforma em um símbolo místico juntamente com a paisagem que está inserida, devido a esta simbologia e o contexto exótico para uma capela, tornou-se ponto fundamental para visitantes, tanto para devotos do santo, quanto para admiradores da forma e da arquitetura.

Figura 2: A atmosfera mística e questionável entre capela e paisagem

O casal deu a Zumthor total liberdade para criar a capela, contando que o custo orçamental fosse baixo. Grande parte do sistema construtivo veio do trabalho do casal que cortaram 112 troncos de árvores locais conforme as instruções de Peter, com o objetivo de criar, a princípio, a forma interna da capela, um tipo de oca, mas que não seria vista externamente.

Figura 3: Etapa construtiva, disposição dos troncos o que gera a forma interna, antes das camadas de concreto.

A primeira etapa da construção foi montar de forma sinuosa a parte do caminho até o altar, ambos bem simples e estreitos que seria utilizado por cerca de 2 pessoas. Assim foram dispostas as toras em formato de cone que permaneceram apoiadas umas nas outras de forma a criar uma espécie de gruta que posteriormente foi concretada durante 24 dias com camadas de 50 em 50 centímetros até alcançarem 12 metros, e atearam fogo às toras, a queima durou cerca de 3 semanas, criando uma textura negativa, no lugar onde se encontravam as toras, permaneceram apenas a textura e forma dos troncos encrustados no concreto, como se fosse um molde (figura 4, 5, 6).



Figura 4,5 e 6: Detalhe da textura interna da capela após a queima e retirada dos troncos.

A disposição das toras resultou na única entrada do edifício, de modo que o ângulo entre o apoio dos dois troncos torna-se a passagem das pessoas no formato de um triângulo sendo esta, a única forma realmente visível tanto internamente quanto externamente, que proposital ou não, o triângulo tem um valor simbólico para o cristianismo.

A disposição das toras resultou nas duas aberturas da torre, a pequena entrada irregular  de luz sobre o altar no topo do arranjo (figura 7) em configuração de cone e o ângulo entre o apoio dos dois troncos torna-se a passagem de pessoas no formato de um triângulo sendo esta, a única forma realmente visível tanto internamente quanto externamente (figura 8), que proposital ou não, o triângulo tem um valor simbólico para o cristianismo.

Figura 7: Abertura superior, apenas para a entrada de luz sobre o altar.

Figura 8: A única abertura para circulação de visitantes.

Seguindo o aspecto construtivo, o enorme bloco poligonal que cobre a forma orgânica feita a partir das toras, foi revestida externamente por paredes de Betão rústico ou taipa de tons terrosos. Entre o bloco externo rígido e a forma interna orgânica, foram colocados 350 tubos de aço cromado perpendicularmente (figura 9,10), para posteriormente resultar em 350 pequenas aberturas ou pontos de luz que, ao observar do interior, vê-se centenas de estrelas iluminando a pequena gruta (figura 11). Já externamente, nota-se o ritmo das pequenas aberturas de 5 centímetros por todo o Betão.


Figura 9 e 10: Detalhe do revestimento em Betão rústico e dos tubos cromados que resultam nos pontos de luz.
Figura 11: Ponto de luz observado de dentro da capela

Não poderia faltar a presença da água, um dos elementos mais sagrados para o cristianismo e se mostra no interior da capela por meio de uma espécie de cascata. Unindo a aparência rústica, de caverna, com o movimento e a presença da água (figura 12), torna-se imprescindível a comparação com uma gruta

Figura 12: Detalhe da cascata que jorra água do facho de luz superior.

Ainda no interior da capela, apresenta alguns elementos como o minimalista busto feito em bronze do Santo Klaus, um banco apenas para duas pessoas, um apoio para velas e a bíblia. Todas estas e de mais características, mostram que a capela foi projetada para ser um locar de meditação e individual, nada parecido com as capelas comuns que se pode visitar por aí.  

Figura 13: Busto do santo irmão Klaus.

O projeto como um todo faz o jogo entre forma orgânica e racional, o místico e o real. Zumthor cria não só uma torre ou capela para adoração, mas sim algo para se sentir e proporcionar experiências através da arquitetura, um espaço praticamente natural, feito com materiais naturais, faz uma direta referência ao irmão Klaus que dedicou sua vida a Deus e em certo momento de sua jornada, utilizava apenas tábuas como cama e a pedra como travesseio, alimentava-se a princípio apenas de frutas e ervas, e por fim somente da eucarística.

Analisando a história de irmão Klaus, percebe-se a simplicidade que ele levava a vida para servir a Deus, usufruindo apenas de elementos teoricamente feitos por Deus, encontrados na natureza. Simplicidade esta, que está diretamente ligada ao estilo da capela Bruder Klaus, conceito da materialidade, a forma, elementos, uma arquitetura que emociona segundo diversos relatos e críticas de turistas e teóricos como por exemplo Montaner (2014) que defende a ideia da experiência sensorial, que faz com que haja a percepção dos espaços, luz, textura, circulação, paisagem e escala, elementos incompreensíveis por completo apenas por fotografias e mapas.

Tal característica sensorial faz parte da forma como o arquiteto pensa e projeta suas obras, a paisagem que moldura e complementa o edifício, assim como todo o conjunto de olhar, sentir, ouvir e tocar.

De certa forma, analisando o interior e exterior separadamente, nota-se a possível intenção de Zumthor de criar um paradigma entre o real e o utópico, presente na forma, rígida do polígono, contrapondo-se com a gruta. A gruta, ou caverna possui algum simbolismos em diversas áreas e crenças, podendo ter laço desde o significado de renascença para o cristianismo, até representar para Platão o mundo da ignorância, ilusão e sofrimento no conto da caverna, onde para alcançar a liberdade, verdade e justiça, é preciso seguir a luz, luz esta que remete-se a abertura superior, localizada sobre o altar.

Figura 14: Forma rígida da capela.

Figura 15: Esquema para entender a disposição interna da capela.

Logo, a ambígua percepção que se cria entre, interior e exterior, resulta na contemplação, a beleza e a simplicidade do lugar que o edifício foi construído resulta no paraíso para quem analisa a gruta no contexto da teoria de Platão. E a própria gruta como local sagrado e efêmero, simbolizando o renascimento perante Deus?

O arquiteto assemelha-se a um artesão, que projeta e esculpe sua arte afim de ser contemplada por diferentes visões. A arte da arquitetura, promove um intercâmbio peculiar segundo Pallasmaa (2011, p.11) o arquiteto empresta suas emoções de a cordo com a paisagem que a obra está inserida, e o lugar transmite a aura que incita as percepções e pensamentos dos visitantes.

O cunho religioso é a aura do projeto analisado que Segundo Eliade (1992, p.13) a tomada do conhecimento sacrário, por sua vez, se manifesta e se mostra como algo absolutamente diferente do profano, a autora ainda salienta a hierofania do sagrado em um objetos qualquer, como árvores, pedras e urnas. O homem moderno está diante de inúmeras formas de manifestações do sagrado. Assim, para aqueles que acreditam nas experiências religiosas e sagradas, toda a natureza é suscetível a revelar-se como sacralidade cósmica, e assim revelar-se como hierofania.

Zumthor por sua vez poderia ter feito um projeto para aqueles que se negam “ver” e acreditar nas hierofanias? Os elementos que o arquiteto utilizou para a construção da capela, revelam as manifestações místicas atuantes, que para muitos revelam a presença do sagrado. A atmosfera que o arquiteto cria, induz toda a experiência cósmica, necessária para fazer sentido o lugar, a vida, o sagrado e o profano.

Estes objetos de cunho “sagrado”, que mais se assemelham ao natural, tendem a expressar as manifestações sacrárias. Observando o projeto de Zumthor, o próprio modo de construção, juntamente com as técnicas e materiais utilizados para revelar a aura religiosa e sensorial da capela, tornam-se puram hierofanias para os visitantes.

A paisagem local torna-se o principal objeto de narração para o passeio sensorial e cósmico. Os elementos naturais e sagrados como, a água, a rocha, a luz, todos unidos para revelar a aura sagrada e sensorial do projeto.

Portanto, este presente ensaio teve como objetivo analisar e questionar a obra de Peter Zumthor, uma pequena capela no interior da Alemanha que apesar do minimalismo, carrega inúmeros detalhes e possíveis análises projetuais.

 

REFERÊNCIAS

FIGURA 1: https://es.wikiarquitectura.com/wp-content/uploads/2017/01/Bruder-klaus-Chapel-Peter-Zumthor-WikiArquitectura_000-1024x683.jpg

FIGURA 2: https://es.wikiarquitectura.com/wp-content/uploads/2017/01/Bruder-klaus-Chapel-Peter-Zumthor-WikiArquitectura_003-683x1024.jpg

FIGURA 3: https://es.wikiarquitectura.com/wp-content/uploads/2017/01/Bruder_Klaus_18_bis.jpg

FIGURA 4: https://es.wikiarquitectura.com/wp-content/uploads/2017/01/Bruder-klaus-Chapel-Peter-Zumthor-WikiArquitectura_017-683x1024.jpg

FIGURA 5: https://es.wikiarquitectura.com/wp-content/uploads/2017/01/Bruder-klaus-Chapel-Peter-Zumthor-WikiArquitectura_018-683x1024.jpg

FIGURA 6: https://es.wikiarquitectura.com/wp-content/uploads/2017/01/Bruder-klaus-Chapel-Peter-Zumthor-WikiArquitectura_024-683x1024.jpg

FIGURA 7: https://es.wikiarquitectura.com/wp-content/uploads/2017/01/Bruder-klaus-Chapel-Peter-Zumthor-WikiArquitectura_022-1024x683.jpg

FIGURA 8: https://es.wikiarquitectura.com/wp-content/uploads/2017/01/Bruder-klaus-Chapel-Peter-Zumthor-WikiArquitectura_016-683x1024.jpg

FIGURA 9: https://es.wikiarquitectura.com/wp-content/uploads/2017/01/Bruder-klaus-Chapel-Peter-Zumthor-WikiArquitectura_004-1024x683.jpg

FIGURA 10: https://es.wikiarquitectura.com/wp-content/uploads/2017/01/Bruder-klaus-Chapel-Peter-Zumthor-WikiArquitectura_049-1024x683.jpg

FIGURA 11: https://es.wikiarquitectura.com/wp-content/uploads/2017/01/Bruder-klaus-Chapel-Peter-Zumthor-WikiArquitectura_026-1024x683.jpg   

FIGURA 12: Captura de tela YOUTUBE. Bruder Klaus Field Chapel. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XtWcHeFWQ1k. Acesso em: 26 set. 2020.

FIGURA 13: https://es.wikiarquitectura.com/wp-content/uploads/2017/01/Bruder_Klaus_6.jpg

FIGURA 14: https://es.wikiarquitectura.com/wp-content/uploads/2017/01/Bruder-klaus-Chapel-Peter-Zumthor-WikiArquitectura_051-1-683x1024.jpg

FIGURA 15: https://es.wikiarquitectura.com/wp-content/uploads/2017/01/Bruder_Klaus_alz.jpg

 

ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992

NORBERG-SCHULZ, Christian; Intentions in Architecture: 1. ed: MIT Press, 1962. p. 7-276.

MONTANER, Josep Maria. Arquitetura e Crítica. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, SL, 1999.

PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele: A arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011.

WIKIARQUITETURA. Capela do Campo Bruder Klaus. Disponível em: https://es.wikiarquitectura.com/edificio/capilla-de-campo-bruder-klaus/#. Acesso em: 26 set. 2020.

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