SACRALIDADE DE BRUDER KLAUS: A busca pelas manifestações místicas
OUTUBRO 26, 2020
Autora:
Geovanna Castro Meireles (Arq/Urb/UEG) e-mail: geovanna0699@gmail.com
RESUMO:
O presente ensaio tem o intuito de analisar de maneira concisa e clara a
concepção projetual da capela Bruder Klaus de Peter Zumthor, baseando-se no
pensamento teórico de Mircea Eliade segundo o sagrado e o profano, e demais
teorias que envolvem a misticidade entorno da capela.
Palavras-Chave: Bruder-klaus. Peter-Zumthor. Sagrado.
Profano.
INTRODUÇÃO
Qual a intensão de Peter Zumthor, para o projeto da capela Bruder Klaus? O projeto aparenta ser minimalista e pequeno, porém apresenta inúmeros detalhes e referências que só foram possíveis através de análises gráficas e teóricas que posteriormente foram colocadas em pauta junto com pensamentos de diversos autores, de a cordo com a ideia do sagrado.
Figura 1: Vista em perspectiva da capela Bruder Klaus.
Observando a vista frontal da capela, nota-se que em comparação com a escala humana, a capela se transforma em um símbolo místico juntamente com a paisagem que está inserida, devido a esta simbologia e o contexto exótico para uma capela, tornou-se ponto fundamental para visitantes, tanto para devotos do santo, quanto para admiradores da forma e da arquitetura.
Figura 2: A atmosfera
mística e questionável entre capela e paisagem
O casal deu a Zumthor total liberdade para criar a capela, contando que o custo orçamental fosse baixo. Grande parte do sistema construtivo veio do trabalho do casal que cortaram 112 troncos de árvores locais conforme as instruções de Peter, com o objetivo de criar, a princípio, a forma interna da capela, um tipo de oca, mas que não seria vista externamente.
Figura 3: Etapa
construtiva, disposição dos troncos o que gera a forma interna, antes das
camadas de concreto.
A
primeira etapa da construção foi montar de forma sinuosa a parte do caminho até
o altar, ambos bem simples e estreitos que seria utilizado por cerca de 2
pessoas. Assim foram dispostas as toras em formato de cone que permaneceram
apoiadas umas nas outras de forma a criar uma espécie de gruta que
posteriormente foi concretada durante 24 dias com camadas de 50 em 50
centímetros até alcançarem 12 metros, e atearam fogo às toras, a queima durou
cerca de 3 semanas, criando uma textura negativa, no lugar onde se encontravam
as toras, permaneceram apenas a textura e forma dos troncos encrustados no
concreto, como se fosse um molde (figura 4, 5, 6).
Figura 4,5 e 6: Detalhe da textura interna da capela após a queima e retirada dos troncos.
A
disposição das toras resultou na única entrada do edifício, de modo que o
ângulo entre o apoio dos dois troncos torna-se a passagem das pessoas no
formato de um triângulo sendo esta, a única forma realmente visível tanto
internamente quanto externamente, que proposital ou não, o triângulo tem um
valor simbólico para o cristianismo.
A disposição das toras resultou nas duas aberturas da torre, a pequena entrada irregular de luz sobre o altar no topo do arranjo (figura 7) em configuração de cone e o ângulo entre o apoio dos dois troncos torna-se a passagem de pessoas no formato de um triângulo sendo esta, a única forma realmente visível tanto internamente quanto externamente (figura 8), que proposital ou não, o triângulo tem um valor simbólico para o cristianismo.
Figura 7: Abertura superior, apenas para a entrada de luz sobre o altar.
Figura 8: A única
abertura para circulação de visitantes.
Seguindo o aspecto construtivo, o enorme bloco poligonal que cobre a forma orgânica feita a partir das toras, foi revestida externamente por paredes de Betão rústico ou taipa de tons terrosos. Entre o bloco externo rígido e a forma interna orgânica, foram colocados 350 tubos de aço cromado perpendicularmente (figura 9,10), para posteriormente resultar em 350 pequenas aberturas ou pontos de luz que, ao observar do interior, vê-se centenas de estrelas iluminando a pequena gruta (figura 11). Já externamente, nota-se o ritmo das pequenas aberturas de 5 centímetros por todo o Betão.
Não poderia faltar a presença da água, um dos elementos mais sagrados para o cristianismo e se mostra no interior da capela por meio de uma espécie de cascata. Unindo a aparência rústica, de caverna, com o movimento e a presença da água (figura 12), torna-se imprescindível a comparação com uma gruta
Ainda no interior da capela, apresenta alguns elementos como o minimalista busto feito em bronze do Santo Klaus, um banco apenas para duas pessoas, um apoio para velas e a bíblia. Todas estas e de mais características, mostram que a capela foi projetada para ser um locar de meditação e individual, nada parecido com as capelas comuns que se pode visitar por aí.
O
projeto como um todo faz o jogo entre forma orgânica e racional, o místico e o
real. Zumthor cria não só uma torre ou capela para adoração, mas sim algo para
se sentir e proporcionar experiências através da arquitetura, um espaço
praticamente natural, feito com materiais naturais, faz uma direta referência
ao irmão Klaus que dedicou sua vida a Deus e em certo momento de sua jornada,
utilizava apenas tábuas como cama e a pedra como travesseio, alimentava-se a
princípio apenas de frutas e ervas, e por fim somente da eucarística.
Analisando
a história de irmão Klaus, percebe-se a simplicidade que ele levava a vida para
servir a Deus, usufruindo apenas de elementos teoricamente feitos por Deus,
encontrados na natureza. Simplicidade esta, que está diretamente ligada ao
estilo da capela Bruder Klaus, conceito da materialidade, a forma, elementos,
uma arquitetura que emociona segundo diversos relatos e críticas de turistas e
teóricos como por exemplo Montaner (2014) que defende a ideia da experiência
sensorial, que faz com que haja a percepção dos espaços, luz, textura,
circulação, paisagem e escala, elementos incompreensíveis por completo apenas
por fotografias e mapas.
Tal
característica sensorial faz parte da forma como o arquiteto pensa e projeta
suas obras, a paisagem que moldura e complementa o edifício, assim como todo o
conjunto de olhar, sentir, ouvir e tocar.
De certa forma, analisando o interior e exterior separadamente, nota-se a possível intenção de Zumthor de criar um paradigma entre o real e o utópico, presente na forma, rígida do polígono, contrapondo-se com a gruta. A gruta, ou caverna possui algum simbolismos em diversas áreas e crenças, podendo ter laço desde o significado de renascença para o cristianismo, até representar para Platão o mundo da ignorância, ilusão e sofrimento no conto da caverna, onde para alcançar a liberdade, verdade e justiça, é preciso seguir a luz, luz esta que remete-se a abertura superior, localizada sobre o altar.
Figura 14: Forma rígida da capela.
Logo,
a ambígua percepção que se cria entre, interior e exterior, resulta na
contemplação, a beleza e a simplicidade do lugar que o edifício foi construído
resulta no paraíso para quem analisa a gruta no contexto da teoria de Platão. E
a própria gruta como local sagrado e efêmero, simbolizando o renascimento perante
Deus?
O
arquiteto assemelha-se a um artesão, que projeta e esculpe sua arte afim de ser
contemplada por diferentes visões. A arte da arquitetura, promove um
intercâmbio peculiar segundo Pallasmaa (2011, p.11) o arquiteto empresta suas
emoções de a cordo com a paisagem que a obra está inserida, e o lugar transmite
a aura que incita as percepções e pensamentos dos visitantes.
O
cunho religioso é a aura do projeto analisado que Segundo Eliade (1992, p.13) a
tomada do conhecimento sacrário, por sua vez, se manifesta e se mostra como
algo absolutamente diferente do profano, a autora ainda salienta a hierofania
do sagrado em um objetos qualquer, como árvores, pedras e urnas. O homem
moderno está diante de inúmeras formas de manifestações do sagrado. Assim, para
aqueles que acreditam nas experiências religiosas e sagradas, toda a natureza é
suscetível a revelar-se como sacralidade cósmica, e assim revelar-se como
hierofania.
Estes objetos de cunho “sagrado”, que mais se assemelham ao natural, tendem a expressar as manifestações sacrárias. Observando o projeto de Zumthor, o próprio modo de construção, juntamente com as técnicas e materiais utilizados para revelar a aura religiosa e sensorial da capela, tornam-se puram hierofanias para os visitantes.
A
paisagem local torna-se o principal objeto de narração para o passeio sensorial
e cósmico. Os elementos naturais e sagrados como, a água, a rocha, a luz, todos
unidos para revelar a aura sagrada e sensorial do projeto.
Portanto, este presente ensaio teve como objetivo analisar e
questionar a obra de Peter Zumthor, uma pequena capela no interior da Alemanha
que apesar do minimalismo, carrega inúmeros detalhes e possíveis análises
projetuais.
REFERÊNCIAS
FIGURA 3: https://es.wikiarquitectura.com/wp-content/uploads/2017/01/Bruder_Klaus_18_bis.jpg
FIGURA 12: Captura de tela YOUTUBE. Bruder Klaus Field Chapel. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=XtWcHeFWQ1k. Acesso em: 26 set. 2020.
FIGURA 13: https://es.wikiarquitectura.com/wp-content/uploads/2017/01/Bruder_Klaus_6.jpg
FIGURA 15: https://es.wikiarquitectura.com/wp-content/uploads/2017/01/Bruder_Klaus_alz.jpg
ELIADE, Mircea. O
sagrado e o profano. São
Paulo: Martins Fontes, 1992
NORBERG-SCHULZ, Christian; Intentions in
Architecture: 1. ed: MIT Press, 1962. p. 7-276.
MONTANER, Josep Maria. Arquitetura
e Crítica. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, SL, 1999.
PALLASMAA, Juhani. Os
olhos da pele: A arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011.
WIKIARQUITETURA. Capela do Campo Bruder Klaus. Disponível
em: https://es.wikiarquitectura.com/edificio/capilla-de-campo-bruder-klaus/#. Acesso em: 26 set. 2020.
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