RELAÇÃO DA FORMA E PROGRAMA NA BIBLIOTECA DE SEATLE

 AUTORA: 

Lorena da Silva Jacomini (ArqUrb/UEG) – E-mail lorena.jacomini@hotmail.com 

RESUMO

O ensaio visa estudar a forma da Biblioteca Central de Seatle, o programa que os arquitetos desenvolveram para atender a sociedade e os elementos utilizados para se tornar um local de permanência ao invés de passagem. 

PALAVRAS-CHAVES 

 Biblioteca em espiral. Programa. Conceito. Lobotomia. Cisma vertical.

INTRODUÇÃO

Este ensaio visa entender de maneira mais ampla a organização da Biblioteca de Seatle, o diferencial na sua forma e estrutura, tornando-a única. A organização inclusiva proposta pelos arquitetos criando espaços de vivência e isolamento, explicação da disposição dos espaços, estrutura com dois sistemas estruturais diferentes e a importância da biblioteca para a região.

BIBLIOTECA PÚBLICA DE SEATLE 

A biblioteca de Seatle faz parte de um sistema de política pública do noroeste dos Estados Unidos, que consiste em renovar e ampliar seu sistema de bibliotecas públicas apostando na permanência. Com isso, a cidade de Seatle, realizou um concurso em 1998 para aprovar um ambicioso plano de revitalização do sistema de biblioteca públicas resultando em uma adaptação de 22 instituições, na construção de 4 novas unidades e uma biblioteca central. Através de um deste o escritório de arquitetura the Office for Metropolitan Architecture (OMA), holandesa, de Reem Koolhas venceu, e o Library Board escolheu uma firma local, LMN Architects representada por Joshua Prince-Ramus para projetar em parceria, para dar forma a nova biblioteca central substituindo o prédio da antiga biblioteca construída em 1961.  

As etapas projetuais iniciaram em 1999 e foi concluído em março de 2001, as obras começaram em junho do mesmo ano e inaugurada em maio de 2004. A atual sede conta com 11 andares e uma área construída de 33.723m² e a antiga com 19.138m². A biblioteca se situa no centro financeiro e comercial da cidade dividindo a bacia do Lago União a leste e Baia de Elliot a oeste. O prédio ocupa uma quadra de 75x75 entre a 4° e a 5° Avenida as quais cortam a cidade de noroeste para sudeste. 

Figura 1: Antiga biblioteca de Seatle  
https://bsf.org.br/2010/01/27/joshua-prince-ramus-arquitetura-biblioteca-publica-seattle/. c      Acesso em: 24 de setembro de 2020.

Figura 1: Nova biblioteca de Seatle

A biblioteca é a sede e o centro de logística de bibliotecas públicas de Seatle. Com isso, os arquitetos abordaram o programa a partir de considerações de tendências que os meios eletrônicos de armazenamento e acesso à informação devem se aliar ao livro físico. E esse caráter foi passado à edificação de uma maneira que quebrassem com paradigmas tradicionais que um edifício dessa finalidade deveria ser fechado para transmitir a ideia de segurança para abrigar todos os registros. Assumindo uma forma geométrica fechada e ousada nada tradicional, mas que é suavizada com seu fechamento todo de vidro.

Além disso, queriam atingir um equilíbrio entre a flexibilidade e expansão, evitando plantas abertas e contínuas que terminariam em amontoados de acervos que nunca cessam e aumenta a cada dia. A associação com os meios virtuais que garantem o equilíbrio a medida que o acervo venha a ser substituída rotativamente segundo critérios precisos de seleção por armazenamento e acessos virtuais. O dinamismo e a possibilidade de atrair vários públicos de diferentes faixas etárias com a associação dos serviços, virtuais e reais, suporte além de um conjunto arquitetônico estimulante.

Sendo assim, os arquitetos agruparam os serviços pretendidos para a nova biblioteca, conduziu uma reorganização e esse processo definiu plataformas funcionais cada uma com sua caracterização arquitetônica própria, mais ou menos homogênea, capazes de definir volumes e modos de organização próprios e distintos uma da outra. O partido projetual adotado, analisando as áreas construídas necessárias, as dimensões do terreno e conveniência dos acessos procedeu em um zoneamento vertical de volumes individualizados e interstícios. O programa foi dividido em:

Subsolo: estacionamento público ao usuário com 143 vagas.

1° Piso: Plataforma 1acesso pela 4° avenida conta com uma biblioteca infantil, centro de línguas estrangeiras, além de salas de exposição e um auditório da Microsoft.

2° Piso: Piso técnico privativo para funcionários com sistema de manipulação de livros e docas de carga e descarga pela rua Madison a serviço do sistema municipal de bibliotecas públicas têm rampa de acesso ao estacionamento no subsolo com acesso pela rua Spring.

3° Piso: Interstício 1, acesso pela 5° avenida, neste pavimento é o salão de vivência, acervo de ficção, centro de juventude e acesso ao auditório da Microsoft que ocupa dois andares abaixo.

4° Piso: plataforma 3: bateria de salas de reuniões e treinamento de usuários.

5° Piso: Interstício 2, salão de suporte e orientação ao usuário.

6° ao 9° Piso: Plataforma 4 acervo de livros de não ficção dispostos sem interrupção ao longo da rampa em espiral.

10° Piso: Sala de leitura.

11° Piso: plataforma 5: administração. 

Figura 3: Esquematização do edifício.
https://arquitetesuasideias.wordpress.com/2012/11/22/bibliotecas-pelo-mundo-04/ Acesso em: 24 de setembro de 2020.

As plataformas foram tratadas como volumes fechados para os interstícios como espaços abertos e expostos a visão interna como se dá nos pisos 3°, 4° e 5°. Tanto uns como outros nas faces exteriores são tratados sem diferenciação para a pele transparente do edifício.

A espiral de livros foi um diferencial dos arquitetos pois justificaram que nas bibliotecas tradicionais que apresentavam características desencorajadoras e pouco chamativas. Portanto ao invés disso, adotaram na plataforma de acervo de não ficção uma solução consistente em dispor as estantes organizadas segundo o sistema de classificação decimal numa rampa espiral contínua em três andares em sequencias ininterruptas.

A solução estrutural consiste em dois sistemas trabalhando em conjunto, um esquelético metálico ortogonal que suporta as cargas de gravidade e a pele, uma malha de vigas cruzadas em ângulos de aproximadamente 45 graus que confunde com uma courtain wall- parede de cortina-, que resiste aos esforços horizontais dos ventos e de sismo. As caixas de escadas e elevadores suportam apenas as cargas verticais não contribuindo para forças horizontais. Há colunas que se desviam da vertical pelo plano da pele e estruturas travadas por diagonais nas plataformas que transmitem o mínimo de esforços horizontais e momentos para o esqueleto do edifício.

O deslocamento das plataformas cria balanços que são suportados por diagonais de acordo com o esqueleto ortogonal. Cada plataforma tem um sistema de estrutura independente compartilhando um sistema de colunas de perfis de aço. Algumas colunas do canto foram desviadas para remeter ao efeito de flutuação, algumas plataformas têm balanço de 15 metros e as paredes de cortina que ajudam na sustentação desses balanços. A separação de dois sistemas estruturais atendeu a condição da proposta arquitetônica e com essa mútua dependência fez com que os dois sistemas fossem construídos simultaneamente. O encaixilhamento que porta os vidros pôde ser reduzido o mínimo possível é fixado juntamente com a grelha estrutural que os suportam sem o uso de perfis portantes próprios da caixilharia.

O envidraçamento empregou placas losangulares com medidas econômicas no aproveitamento de peças industriais, além de ser especiais para filtrar a radiação e o calor que são danosos para o acervo, sendo duas camadas de vidro e com duas lâminas cada uma unidas por vinil butiral e preenchidas por um gás isolante. Ademais, a fachada sudeste e sudoeste da edificação foram empregadas placas de tela de alumínio lamelar entre as duas lâminas da camada externa para controle de insolação e calor.

A separação dos volumes dispostos em sequência vertical, plataformas, configurou em caixas fechadas, em relação as outras. Formando um vazio, átrio que se prolonga da sala de estar até a plataforma da administração, com faces escaladas permitindo uma leitura visual da divisão das funções e que pudesse ajudar o usuário a se orientar. Os interstícios comunicam-se visualmente pelos desvãos em relação a pele do edifício. Uma escada enclausurada, escadas rolantes e elevadores foram escolhidos para circulação vertical, sendo as escadas com um único sentido, subida, obrigando o usuário a usar um dos quatro elevadores para descer, com exceção os pisos que ligam a 4° e 5° avenida, que são escadas duplas de subida e descida. A circulação vertical é bem demarcada, em amarelo nas escadas rolantes devido o percurso ser bem amplo e atrativo para o usuário assegurando a orientação entre os espaços.

Sendo assim, as pessoas que têm alguma necessidade especial, passa a utilizar os elevadores. As rampas de livros dispostas do 6° ao 9° pisos são dispostas em dois lances paralelos percorrendo a direção Leste-Oeste, com passagens de aproximadamente 1,5 m entre as estantes, condicionando um percurso como um ‘’passeio urbano ‘’, proposto pelos arquitetos, ao longo do acervo. A rampa do acervo tem uma baixa declividade sendo inclusiva a cadeirantes e outros portadores de necessidades especiais sendo que a cada lance há acesso aos elevadores. No interior do edifício, há o emprego de cores vibrantes para a orientação e demarcação espacial, além de contraste com materialidade. 


Figura 4: Maquete esquemática das plataformas      


  


                                                               Figura 6: Corte                                                                     
https://www.archdaily.com.br/br/624269/biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn/53cd1212c07a80492d0002c3-biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn-corte-


  Figura 7: Corte
https://www.archdaily.com.br/br/624269/biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn/53cd1182c07a80c64a0002b0-biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn-corte-cc?next_project=no


Figura 8: Corte
https://www.archdaily.com.br/br/624269/biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn/53cd1199c07a80c64a0002b1-biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn-corte-bb?next_project=no
Figura 9: Planta
https://www.archdaily.com.br/br/624269/biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn/53cd1160c07a80492d0002ba-biblioteca-central-de-seattle-oma-mais-lmn-planta-nivel-02?next_project=no

A forma do edifício foi possível através de muito estudo do programa e deslocamento de planos horizontais, dimensões diferenciadas dos volumes e das plataformas empilhadas, resultando em uma forma diferente. Assim como os intervalos formados pelos intervalos, assim como a pele de metal e vidro envolve como um empacotamento, com a intenção de fazer com que as cinco plataformas parecessem estar flutuando e deslocados dos planos.

Segundo o conceito de Koolhas, no livro NY delirante, analisando os edifícios com um olhar mais profundo, os arranha-céus tornam um fenômeno de importância coletiva na cultura urbana de Nova Iorque, que são de grande popularidade e importância simbólica para a sociedade. Após a quebra da bolsa em 1929 os edifícios mudam de postura, para um empreendimento comercial irracional. Além disso analisa os edifícios com disjunção entre formas e exigências funcionais, nomeando de lobotomia, rompendo com as premissas ético-estético da arquitetura moderna.

O conceito é empregado no edifício como duas arquiteturas distintas, a arquitetura do exterior da monumentalidade inserida em um contexto de arranha-céus em grandes caixas de vidro, que se destaca através da forma ousada sobressaindo completamente aos edifícios ao redor. Com sua forma robusta e a sutileza dos detalhes do seu fechamento em malha metálica e vidro, insinua um jogo revelação do conteúdo através da luz que penetra o edifício. Segundo Marcos Faccioli Gabriel, que publicou um artigo da biblioteca na revista Tópos, essa permeabilidade que revela em partes, instiga a curiosidade do observador de conhecer a parte interna do edifício que muda em relação a plasticidade externa, sendo mais racional em relação aos seus usos e propicia ambientes sociáveis.

Observando o edifício de fora para dentro é possível compreender que a forma ocasiona pisos desconexos não obstante, criando espaços de vivência e separando o programa, intercalando com pisos com a altura de pé direito duplo. Essas características segue o conceito de cisma vertical, citado no livro NY delirante que a lobotomia e o cisma pode reconquistar o espaço da metrópole para a arquitetura separando o interior do exterior, sendo uma para o funcionalismo e a outra para o formalismo.

As bibliotecas tradicionalmente costumavam ter uma forma mais robusta e fechadas para remeter a sensação de proteção para todo o conteúdo que nela continha. Portanto os arquitetos aplicaram essa ideia, mantendo a robustez da edificação, mas dando um toque mais suave com a pele de vidro ainda sim revelando um pouco do seu interior. Sendo assim, está presente no edifício a promenade architecturale, um convite a um passeio no edifício, com a valorização do percurso através de diferentes materiais que causam diferentes emoções, obrigando a experiência do objeto arquitetônico em diferentes posições.

O edifício possui uma praça de recepção no térreo. O usuário se depara com um grande vazio interno, composto pelo empilhamento de camadas, sugerem um movimento ascendente. A partir da praça de recepção do térreo, sucedem-se outras duas na vertical intercaladas com camadas mais fechadas que acomodam a parte do programa mais tradicional de uma biblioteca, criando áreas de multidão e isolamento.

 Foi empregado diferentes cores e texturas de materiais, com uma ênfase para a pele de vidro. A organização espacial da biblioteca foi pensada de maneira que o circuito fosse livre, apenas demarcando as circulações para as pessoas se localizarem por ser um grande espaço. Em teoria, esta atenderia um público amplo de diferentes grupos sociais e diferentes faixas etárias, oferecendo programas a todos eles, sendo possível uma ressignificação da biblioteca, indo muito além de acervo de livros mas também ofertando programas de atividades e aulas, narração de história, jogos, sessão de músicas, audição com autores, aulas de idiomas, grupo de estudos, entre outros.

Além disso, os arquitetos, projetaram pensando no processo de transporte automático de livros, autosserviço para usuários expansão da comunicação wi-fi -na época da fase projetual, ainda não existia conexão de internet por ondas de rádio, e foi possível através de contatos com colaboradores da Microsoft- e mais de 400 computadores para uso público. Atendendo ao programa biblioteca para todos.

Na etapa de concepção do projeto, os arquitetos foram visionários a respeito do futuro das bibliotecas tradicionais devido ao avanço das tecnologias nos anos 2000, pensaram além do tempo, criando vários programas evitando que a biblioteca ficasse obsoleta, apenas com o programa tradicional, além de criar elementos chamativos que tornaram a biblioteca em um ponto turístico da região.

CONCLUSÃO

A biblioteca de Seatle atende ao programa biblioteca para todos, sendo inclusiva abrangendo toda a população da cidade e turistas. Funcionando como um misturador de grupos sociais com singularidades e interesses distintos por ser um lugar de interesse comum, quebrando com o estereótipo de ser um edifício para classe média-alta, uma vez que a biblioteca oferece meios para a população de forma geral.

A organização espacial favorece o programa da biblioteca, com espaços amplos e sugestivos para o uso, misturado com espaços de agrupamento e isolamento. Possível através do deslocamento dos volumes e agrupando em blocos de programas. O grande diferencial é a disposição do acervo em espiral, garantindo uma sequência ininterrupta da disposição e fazendo com que vire um passeio entre os livros induzindo o usuário a observar ao redor, aumentando as chances de se interessar por outro título. Além de livros digitais e centenas de computadores para uso da sociedade, desempenhando um papel de área livre e igual acesso à informação. 

A forma e materialidade do edifício contribui para o sucesso da edificação, apesar do seu exterior ser algo mais robusto com a pele de vidro, e o interior bem amplo e iluminado com os painéis de vidro que faz com que  a luz permeie no local de maneira encantadora, garantindo o bem estar do usuário através da arquitetura. 

REFERÊNCIAS

GABRIEL, Marcos Faciolli. A Biblioteca Central de Seattle e a “arquitetura metropolitana” de Rem Koolhaas. Revista Tópos. Disponível em > https://revista.fct.unesp.br/index.php/topos/article/view/5649/4231>. Acesso em: 24 de setembro de 2020.

GUATELLI, Igor. Biblioteca pública de Seatle entre pirâmide e vulcão. Vitruvius. 11 de novembro de 2010. Disponível em > https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.126/3658 >. Acesso em: 24 de setembro de 2020.

COLOSSO, Paolo. Modernidade de Nova York segundo Reem Koolhas. Junho de 2014. Disponível em:  > file:///C:/Users/loren/Downloads/84458-Texto%20do%20artigo-117949-1-10-20140905%20(1).pdf > Acesso em: 24 de setembro de 2020.

MASCHIO, Marielle de Carvalho. Cidades Planejadas Entre o efeito genérico e a permanência: Belo Horizonte, Goiânia, Brasília e Palmas. Setembro de 2016. Disponível em >file:///C:/Users/loren/OneDrive/%C3%81rea%20de%20Trabalho/2015.%20Marielle%20Mascio.pdf > Acesso em 23 de outubro de 2020.





 






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