A AUSÊNCIA DE PALAVRAS DA BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇA

AUTORES:

Higor Gabriel de Souza (ArqUrb/UEG) - e-mail: anjogabriel_1981@hotmail.com

Laís Nolasco Ribeiro (ArqUrb/UEG) - e-mail: laisnolasco12@gmail.com

RESUMO

Este estudo analisa e questiona as principais diretrizes projetos que norteiam a Biblioteca Nacional da França de Dominique Perrault, com o intuito de provocar inquietações quanto a representação dada a obra frente a postura que se coloca no contexto da cidade. Fundamentalmente, traça um panorama geral em torno das características visuais definidoras do projeto que serve de base para a análise das intenções projetuais e do resultado apresentado. É discutido a forma adotada pelo arquiteto de se comunicar com o passado e o presente, e o diálogo estabelecido entre a obra e a cidade, como também entre a obra e seu usuário. A partir destas indagações, o estudo faz uma contextualização ao que se coloca de fundamental da arquitetura modernista em oposição às críticas a pautadas na perspectiva pós-modernista, no sentido de identificar as aproximações teóricas e tipológicas com a arquitetura banalizada que se constrói sob o discurso de um projeto contemporâneo e inovador.

PALAVRAS-CHAVE

Representação. Comunicação. Arquitetura Modernista. Inovação.

 

INTRODUÇÃO

A Biblioteca Nacional da França foi um tema escolhido para se fazer uma crítica a linguagem adotada na sua concepção, e como o edifício se relaciona quanto as ideias de uso, função, uma nova biblioteca para Paris e um novo espaço para a população. A interrogação levantada diante do edifício se impõe diante da clara divergência entre o discurso e o construído. Esta percepção faz diante da observação atenta e crítica sobre a paisagem, seu contexto e a própria inserção dos elementos que se conjugam e projetam diante de nossos olhos.

O arquiteto Dominique Perrault usando de formas e conceitos tradicionais da arquitetura moderna cria um edifício pós-moderno que apresenta um grande silêncio, um vazio, algo totalmente contrário ao objetivo da obra concluída, espaço público onde as pessoas possam se encontrar, dialogar e pegar livros, que seria como expandir conhecimento e relações sociais. Com as quatro torres em forma de livros abertos se cria um local fechado que acaba não se comunicando com o restante da cidade. Deste modo, tem-se como principal argumento a recriação tipológica feita pelo arquiteto, que em nada acrescenta de novo. Diante de um cenário de crítica a realidade existente, a biblioteca surpreende em sua postura passiva, não acrescenta, não questiona, nem ao menos se propõe a intermediar.

Metodologicamente, utiliza-se do processo de descrição do projeto como ponto de partida às críticas levantadas, para que por meio do processo de descrição e análise seja feito o enquadramento da nova perspectiva a ser descrita, dentro do referencial teórico adotado. A partir de então, é possível que todas as indagações sejam feitam, para que por meio deste a discussão possa ser ainda ampliada, de forma a também desencadear outras inquietações.

 

FORMA E DISCURSO: MODOS DE SE EXPRESSAR

Dizer que a arquitetura comunica pode parecer óbvio para a maioria das pessoas, para os arquitetos essa é uma obviedade mais do que explícita e para qualquer um que habite o espaço urbano bastaria apenas estar aberto ao diálogo. Nesta comunicação entre o homem e a arquitetura, cada qual ocupando seu devido lugar no espaço assumem posições claras quanto as suas funções, seus objetivos, suas críticas e posturas. Na história, a arquitetura é sujeito ativo, com força e autoridade para se expressar e imbuída de palavras suficientes para estabelecer a comunicação necessária entre o homem, a arquitetura, como também entre o tempo e o espaço.

Certamente, seria demasiadamente pretencioso dizer que toda arquitetura consegue se comunicar. Arquitetura é expressão, mas saber se expressar não é qualidade de toda arquitetura. A Biblioteca Nacional da França, de Dominique Perrault, é uma destas obras que nos faz questionar o modo como a arquitetura se expressa. As monumentais torres da biblioteca são um convite claro ao diálogo, mas com quem elas intencionam dialogar? Que tipo de comunicação pretendem estabelecer? E principalmente, o que elas têm a dizer?

A Biblioteca Nacional da França, construída em 1995, na zona Leste de Paris, é um dos edifícios modernos mais icônicos da França. Sua construção marca um momento de prosperidade da cidade francesa, em que a política urbana se voltava a renovação das áreas periféricas. A proposta do prefeito Jacques Chirac de requalificação de áreas que, até então, estiveram pouco desenvolvidas socialmente inclui a área industrial do distrito 13, que abriga a Biblioteca. Esta não se trata de uma região turística de Paris, no entanto, o projeto se aponta como uma proposta de desenvolvimento à região que por meio da proposta de Jacques Chirac poderia ressignificar o espaço urbano local.

É importante destacar que, esta obra foi intencionalmente pensada para ser mais do que uma biblioteca ou um espaço cultural de Paris. Sua grandiosidade era proporcional às intenções de Jacques Chirac de tornar sua atuação política emblemática e significativa para a cidade. E o distrito 13 não foi escolhido ao acaso, pois é neste local menos valorizado e de arquitetura pitoresca que um novo projeto para a Biblioteca Nacional teria a oportunidade de se tornar um símbolo de prosperidade.

Deste modo, é possível afirmar que a Biblioteca Nacional nasce sob o mesmo pretexto e contexto de ascensão de uma França moderna. Ainda que, o projeto represente apenas uma pequena parcela do que veio a se desenvolver a política cultural de Jacques Chirac e de ministros como Jack Lang, político socialista e ministro da Cultura francesa que se colocou a cargo de promover e elevar a educação e a arte como frente de reconhecimento do país. Ao contrário de outros países, a França investiu potencialmente nas artes, política que perdurou em sua história e agregou ao seu legado. Ainda que estes investimentos tenham sido aplicados de forma desigual, a política de Lang incentivou prefeitos como Chirac a propostas de igual intensidade.

Ao lado do rio Sena, entorno das linhas ferroviárias, afastado dos olhos pretenciosos da maior parte dos turistas, o terreno escolhido recebeu então, como vencedor do concurso, o projeto de Dominique Perrault,, que propôs um edifício que pudesse ir além do que os nossos olhos seriam passíveis a enxergam e que pudesse ser mais que um espaço, mas também um lugar desta nova Paris. É certo que o projeto para a biblioteca não deveria ser modesto. Pelo contrário, deveria ser grandioso e ao mesmo tempo humilde o suficiente para deixar a cidade se mostrar, deveria ser imponente e ao mesmo tempo delicado para integrar ao invés de suprimir. É possível afirmar que o projeto Perrault é uma tentava de conciliar todas estas ambiguidades, ainda que seja questionável a resposta dada a elas.

Perrault em seu discurso de apresentação do projeto foi ousado ao dizer que a sua proposta “única” e totalmente “original”, concebia o vazio como alma do projeto, o que no primeiro momento torna-se justificável. Quatro torres de proporções monumentais, estrategicamente colocadas nas extremidades do retângulo que configura o espaço, acolhem o vazio interior como lugar/espaço principal do projeto. Segundo o arquiteto as torres fazem uma associação simbólica a “livros abertos”, voltados de frente uns para os outros a configurar um espaço próprio a ocupação do livro, mas também do conhecimento.


Figuras 1 e 2: Vista aérea da Biblioteca Nacional da França

                                          Fonte: dpa-bnf, 2020. 

Disponível em: http://www.dpa-bnf.com/#/tours/

Controvérsias a parte, à escala do observador, as metáforas e simbologias dão espaço a novas interpretações. Para quem transita pelas ruas ao entorno, o destaque fica a cargo dos grandiosos panos de vidro que recobrem o edifício, que, a priori, de nada remete a uma biblioteca. Sua tipologia tão convencional quanto os prédios comerciais que vemos a proliferar pelas grandes capitais globalizadas, são a própria recriação da forma pura e simples ao qual Perrault recorre na expectativa em busca de sutileza.

Os grandes panos de vidro que ao mesmo tempo que permitem a transparência e delicadeza ao projeto, atuam também como o espelho da Paris pouco aplausível do distrito 13. A crítica fica a cargo da ambiguidade proporcionada pelo reflexo criado pelas suntuosas fachadas da própria biblioteca, que ao olhar de seu mais simples e despretensioso observador, apenas recria a própria banalidade de seu entorno em proporções monumentais o suficiente para se colocar ao lado do rio Sena. Aos prédios que posteriormente se colocaram em seu entorno, e aos já existentes no distrito industrial, como os frequentemente citados Porte de Choisy e Porte d'Ivry, a Biblioteca Nacional em nenhum modo parece negá-los.

Figura 3 e 4: Fachadas em vidro, Biblioteca Nacional da França.

Fonte: dpa-bnf, 2020. 
Disponível em: http://www.dpa-bnf.com/#/tours/

É possível caracterizar o projeto por meio de um enquadramento geral de sua tipologia a uma modulação que se faz em três níveis que se não dão, necessariamente, pelo espaço construído, mas pelo espaço ocupado. O primeiro módulo seriam as torres, monumentais e reluzentes, que transcendem ao espaço da cidade e aos olhos do espectador. Neles o vidro, o metal e a madeira são aplicados de mesmo modo como convencionalmente se é feito em outros edifícios. A estrutura metálica permite leveza e grandiosidade, vidro duplo na fachada realça a luz que se projeto sobre o edifício e a luz que se projeta para fora dele., a madeira do mobiliário interno fica em evidência e passa também a compor a fachada das torres. 

O segundo módulo está ao nível de quem transita pela cidade, é praça seca que se abre ao expectador. Ainda que acessível, faz-se questionável quanto ao convite, a praça que convida para ser adentrada se faz ao mesmo tempo de ausência. E se a praça é pouco democrática, isso se justifica pelo terceiro módulo da Biblioteca, o subsolo é um verdadeiro mundo à parte no distrito. O jardim interno, proporciona ao usuário um momento de experimentação para fora do que a cidade pode proporcionar.

Ao ser entrevistado por Francis Rambert Le Figaro, Dominique Perrault se refere ao jardim como um cenário “semelhante aos afrescos pintados na antiga Biblioteca Nacional” (Perrault, 1995). O arquiteto deixa claro as suas intenções poéticas para o local, de um espaço de natureza selvagem, inacessível, vivo e intenso, capaz de transmitir essa vitalidade a quem se experimenta neste espaço. O jardim plantado com árvores da floresta de Bord na Normandia, produz um espaço de “atemporalidade” e universalidade.

Figuras 5 e 6: Vista a partir do pátio interno.

Fonte: dpa-bnf
Disponível em: http://www.dpa-bnf.com/#/jardin

A figura do claustro no projeto formado pelo jardim, como objeto de contemplação, dá o equilíbrio de luz e sombra nos espaços internos de leitura, esta natureza instalada no centro da obra fortalece a ideia de sólido e vazio do arquiteto na obra. Ela proporciona uma visão de dois níveis da edificação, uma para os usuários da biblioteca e outro a nível da esplanada aberto ao público em geral. O amplo espaço utilizado pelo jardim oferece ótima atmosfera de variações de luz e transparência, de acordo com a luz natural de Paris, “um crepúsculo conectado a uma paisagem sonora minimalista reforçada ainda mais a imersão do visitante no espaço e na história do edifício” como diz o autor.

Diante disso, é preciso questionar quanto do projeto se doa à cidade. No slogan “Uma biblioteca para França, uma praça para Paris”, fica óbvia a intenção que de este projeto tenha a sua atuação também em nível urbanístico, de dentro para fora em um ato de criação e transformação, e de intenções extremamente válidas a este ambiente que, inquestionavelmente, necessita de vida. O pátio interno, ao recriar a natureza que há muito não compõe a paisagem local, nos traz a um momento de reflexão sobre o espaço construído e habitável. Em meio a tantos livros e tanto conhecimento, o ambiente torna-se mais que convidativo a imersão, por meio do qual se permitirá questionar, refletir e talvez poder transformar o próprio sujeito no agente transformador da cidade. 

Figura 7: Croqui do arquiteto Dominique Perrault.



Fonte: dpa-bnf, 2020. 

Disponível em: http://www.dpa-bnf.com/#/mur

Estaria, então, o jardim negando a cidade, o Sena, os prédios pitorescos, as linhas ferroviárias e até mesmo as suas características de um mundo industrial e globalizado? Criar um ambiente interno, fechado sobre si mesmo e restrito aos usuários da Biblioteca, seria um ato democrático? Proporcionar um ambiente que leve a experiências distintas ao espaço da cidade, é negá-la ou transformá-la?

Figuras 8 e 9: Diagrama e maquete da Biblioteca Nacional da França.





Fonte: dpa-bnf, 2020. Disponível em: http://www.dpa-bnf.com/#/le-vide/

 

A arquitetura pós moderna surge como reação ao modernismo em crítica a uma arquitetura pouco expressiva, incapaz de transmitir significados e de se comunicar enquanto linguagem. Charles Jenks, em A linguagem da arquitetura pós-moderna (Barcelona,1980), aponta críticas ao modernismo quando a sua comunicação, tanto com a cidade, seu entorno e também com o usuário, pela ausência de uma mensagem simbólica o denomina como inexpressiva. A arquitetura que se desenvolve imbuída destas críticas transitará pela zona linguística de modo a se expressarem por si próprias. Obviamente que as interpretações, sendo elas subjetivas, se ocupam agora em decifrar os códigos da linguagem e atribui-lhes significados. Um desafio para críticos, mas também para os arquitetos em busca de um modo ideal de manipular os códigos em busca de uma forma de linguagem.

Para muitos destes arquitetos, sendo possível citar nomes importantes como Aldo Rossi, Cristian Norberg Schulz, Peter Eisenman, Daniel Liberskind, o lugar, a sua localização, e todas as características físicas e históricas do espaço são ponto fundamental as associações que um projeto deve buscar ao se comunicar. Estes arquitetos são, segundo Iberlings, exemplos uma arquitetura em que se evidencia o processo de concepção formal, o processo desde sua idealização no campo intelectual até a sua materialização, em que o objeto se coloca também de forma independente e onde as associações acontecem de maneira livre ao olhar do espectador que se projeto diante de uma arte.

É importante que neste momento algumas proposições em torno do Movimento Moderno sejam colocadas em função da comparação a ser feita. Em vista das críticas realizadas pelo pós-modernismo, a primeira colocação a ser feita é quanto ao aspecto internacional e universal do estilo arquitetônico que a partir do movimento moderno passa a ser comercializado em escala global. A exemplo disso, temos a reprodução desmensurada da polêmica “caixa de vidro”, utilizada como elemento fundamental na arquitetura renomada de arquitetos como Mies van der Rohe. Considerado um dos principais nomes da arquitetura do século XX, Mies van der Rohe tem seu grande destaque pela utilização das fachadas em vidro de forma autêntica, clara e conceitual. A este mesmo arquiteto e a nomes como Walter Gropius, Marcel Breuer y Skidmore que se deve a internacionalização de elementos, técnicas e composições arquitetônicas que passam a simbolizar a modernidade.

Neste contexto, os modelos passam a se reproduzir sem que sejam feitos juízos de valores, ou que sejam mensurados os condicionantes básicos para que uma arquitetura exista em suas condições plenas de autoafirmação. A consequência disso são edifícios idênticos em qualquer parte da cidade, e em qualquer país. Perde-se as referências de lugar, de identidade, e principalmente, de significado.

É normal que em locais como do distrito 13 de Paris, de características industriais e com poucos exemplos de uma arquitetura que se possa dizer de qualidade, possamos encontrar edifícios de mesma linguagem formal, de mesma materialidade, e de mesma composição de qualquer outro edifício de linguagem universal e globalizada. Dos edifícios de alto padrão aos de baixa qualidade, a tipologia adotada continua a ser a mesma dentro do já caracterizado padrão internacional. As pequenas distinções ficam a cargo da qualidade do material, da técnica, e do refinamento dado ao projeto.

De forma semelhante, Biblioteca de Perrault, contraria-se em seu discurso de autenticidade, ao optar por uma tipologia arquitetônica convencionalmente utilizada em todo mundo. É impossível que qualquer leigo, ao se deparar com as torres, primeiro elemento de comunicação, consiga relacioná-las a sua funcionalidade, e pouco provavelmente serão impactados por suas grandes fachadas. Ainda que visíveis a longas distâncias, e que permaneçam imponentes sobre a escala da cidade, o que a biblioteca deixa para além de si, são cânones de uma identidade que não lhe é de origem.

No século XX, as transformações sociais decorrentes ao elevado índice de industrialização, e o processo de globalização em seu momento de maior ascensão, acaba por afetar diretamente o espaço urbano, que irá demandar novas formas de organização que possam conciliar os diversos usos do espaço, e que ao mesmo tempo possa revolver problemas de inchaço população, precarização da infraestrutura urbana e melhorar as qualidades de vida, que ao mesmo tempo possam modernizar estes espaços como símbolo de uma nova era. Detém-se técnicas e conhecimentos suficientes para se propor reformas em grandes escalas e a nível democrático.

Exemplo disse são os planos os urbanísticos para Paris, onde se destaca o Plano Voisin desenvolvidos por Le Corbusier e apresentado durante a Exposição Internacional de Artes Decorativas, em 1925. O plano estabeleceu áreas específicas a serem destinadas aos usos comerciais e residenciais, com tipologias distintas e tráfego viário de condizente com cada modo de ocupação dos espaços da cidade. Segundo o arquiteto, o plano consistia em uma resposta as necessidades das cidades doentes e que representaria a cidade do futuro.

Neste plano Le Corbusier cria um espaço central destinado a escritórios, composto por torres monumentais de 200 metros de altura. Em cruz, os arranhas céus são parte de uma proposta de cidade para utilização de aviões. Mesmo envolto de área verde, o Plano incorpora técnicas e elementos pré-fabricados. O concreto armado ganha destaque como sendo um dos principais mateais construtivos, mas invoca-se também os vidros, que compondo as fachadas das torres de escritório, reproduzem luz sobre a cidade.

A transparência do vidro, juntamente com a configuração de uma tipologia de torres, de sólidos puros, o contato com a natureza, o trabalho realizado sobre o espaço vazio. Todos estes elementos são precedentes a uma tipologia que se reproduzirá inúmeras vezes. A Biblioteca Nacional da França, ainda que de forma inconsciente, pode ser facilmente relaciona ao projeto proposto por Le Corbusier. A Biblioteca se torna uma espécie de recriação tipológica dessa arquitetura modernista do qual as cidades contemporâneas mergulharam e de certo modo até se afundaram. As proporções, técnicas, as torres, sua materialidade, os cheios e vazios, tantas vezes usados e recriados são convidados a um diálogo ao qual a Biblioteca aparenta não ter o que dizer.

Dominique Perrault, ao apresentar seus projetos e ao se manifestar acerca do seu posicionamento diante da arquitetura, corrobora com o posicionamento pós-modernista de compreensão sobre o território diante da complexidade de sua formação, por meio do qual a arquitetura se coloca de modo a integrar o espaço, correspondendo às expectativas e demandas. Em seu discurso a materialidade e a forma aparecem em segundo plano elemento substancial da arquitetura, abre-se espaço para a relações estabelecidas por meio do diálogo com o usuário e a cidade.

A Biblioteca Nacional, que já nasce sob o pretexto de comunicar-se e dialogar com o passado, o presente e o futuro, mais parece optar pelo silêncio. As torres colocadas de modo a delimitar a praça, cria um espaço fechado, disposto a conversar apenas com quem se mostra apto a adentar a biblioteca e compartilhar de mesmas opiniões. Para a cidade complexa e conflituosa, Perrault cria um espaço aparentemente neutro, a evitar qualquer manifestação de conflito. Nenhum argumento ou questionamento é levantado, nenhuma interrogação ou ao menos afirmação. Estaria, então, a arquitetura se mantendo omissa em sua função social com a cidade? O que é possível dizer é que a ausência de palavras para se comunicar com seu entorno abre margem a outras interpretações que colocam o edifício e seus “módulos de composição”, frente a uma recriação da arquitetura modernista.

Seja pela forma ou pela materialidade, o “novo”, aqui, não é sinônimo de originalidade. O que a Biblioteca Nacional acrescenta a arquitetura pós moderna? Quantos dos elementos nunca haviam sido antes explorados por outras construções? De quantas maneiras uma mesma tipologia pode ser usada? Quantos significados um mesmo elemento pode carregar? Quantas possibilidades ainda não foram exploradas? O que ainda pode ser feito em um mundo em que todos os recursos parecem já terem sido explorados? É possível criar algo realmente novo sem que nenhuma referência ou associação simbólica possa existir?

As intenções de Perrault e o projeto concretizado revelam por todas as perspectivas analisadas, teóricas, empíricas, e partir de vários olhares que as relações se fazem concretas. A arquitetura moderna e internacional criada e recriada por diversas vezes ao longo da história, na proposta de um edifício funcional ou na mera reprodução de uma tipologia ausente de significado, o questionamento que fica extrapola os limites da Biblioteca, a pergunta é: Ainda é possível que haja um diálogo na cidade contemporânea? Ou mais, chegamos enfim ao último recurso da arquitetura? Estaríamos vivendo o esgotamento de todas as possibilidades e recursos da construção civil? Quando será possível criar uma arquitetura e uma cidade autêntica? Em meio a tanta complexidade, qual a melhor maneira de instigar o diálogo.


CONCLUSÃO

A arquitetura que se projeta frente ao novo busca se associar ou se desvencilhar de algo que esteja em oposição aos valores que se projetam para o futuro. A Biblioteca Nacional da França com a prerrogativa de ser um símbolo da um novo momento da capital francesa, ainda que monumental e emblemática, não se coloca de forma a cumprir com seu compromisso perante a cidade e também a sociedade. Na paisagem, as quatro torres não são mais de altura. Toda a verdadeira grandiosidade é mantida para si, para além do que a cidade possa usufruir. A natureza artificialmente recriada e mantida enclausurada, não se doa e não transforma, apenas se mantém.

Permanecer parece então, ser a verdadeira palavra da Biblioteca. Ela permanece como qualquer outro símbolo inserido de forma desordenada e acrítica que tem apenas foça para permanecer. Pois para isso é necessário pouco, pouco esforço, pouca crítica, poucos argumentos. Para permanecer como a Biblioteca Nacional monumentalmente permanece ao lado do Sena, não é preciso nem que se pronuncie algo. Deste silêncio triunfante o único eco perceptível é o do passado, a única sombra que ampara a existência de suas torres.



REFERÊNCIAS:

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DUARTE, Cristiane Rose; PINHEIRO, Ethel. Esquecimento e reconstrução- Memória e experiência na arquitetura da cidade. Arquiteturarevista, Universidade do Vale do Rio dos Sinos São Leopoldo, Brasil, Vol. 4. Número 1, pp. 70-86, Janeiro- Junho, 2008.

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IBELINGS, Hans. Supermodernismo, Arquitectura em la era de la globalización. Sem edição. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1998.

JENCKS, Charles. El lenguaje de la Arquitectura Posmoderna. Barcelona: Gustavo Gili, 1984. 1a edição 1977.

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O presidente, a biblioteca, o arquiteto. Dpa-bnf.com/,2020. Disponível em: http://www.dpa-bnf.com/. Acesso em 23, setembro de 2020.

 


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