A Prefeitura de Múrcia: O Edifício Espectador
AUTORAS:
GIOVANA VICTÓRIA ALMEIDA QUIRINO (ArqUrb/UEG) - e-mail: giovana_quirino@outlook.com
THAYNARA PEIXOTO GUIMARÃES (ArqUrb/UEG) - e-mail: thaypeixotoguimaraes@hotmail.com
RESUMO:
O ensaio em questão discorrerá sobre um
dos edifícios relevantes da obra de Rafael Moneo, a Prefeitura de Múrcia, essa que
será analisada de uma perspectiva diferente, o edifício como espectador ao sítio
que é implantando. A prefeitura de Múrcia é implantada na Plaza del Cardenal
Belluga que pode ser comparada com uma exposição de artes, pois nela contem exemplares
arquitetura barroca, neocolonial e com a Prefeitura, contemporânea. É
importante esclarecer que questões referentes a este edifício estão intrinsicamente
ligadas ao patrimônio histórico e a postura em casos de intervenção em preexistência.
PALAVRAS-CHAVE: Rafael Moneo, Prefeitura de Murcia,
Patrimônio Histórico, Inserção em Centro Histórico, Arquitetura Contemporânea
José Rafael Moneo, nasceu em
1937 em Tudela na província de Navarra, Espanha. Graduou-se em arquitetura em
1961 na ETSAM Escola Técnica Superior de Arquitetura de Madri. Foi um
conceituado arquiteto, professor, teórico, crítico e conhecedor profundo das Artes.
Em sua atuação acadêmica, além de professor foi presidente do Departamento de Arquitetura
da Escola de Graduação em Design da Universidade de
Harvard, onde permaneceu no cargo até 1990.
Moneo ganhou conceituados
prêmios a nível internacional durante sua carreira. Nesse acervo existem medalhas
de ouro e um Pritzker -maior prêmio de Arquitetura do mundo- conquistado em 1996,
juntamente com o fato de ser o primeiro espanhol a receber tal consagração.
Sua forma de
projetar não definiu um estilo, afinal o arquiteto sempre buscava compreender
as especificidades de cada projeto. As premissas projetuais mais importantes da
sua obra eram o programa de necessidades e o estudo do lugar preciso, sempre
adequando as soluções à linguagem arquitetônica apropriada, a materialidade e técnica
construtiva. Deste modo, todos os projetos adquiriam características e volumetrias
únicas, como o que trataremos no presente ensaio.
A obra
que está sendo analisada de Rafael Moneo é a Prefeitura de Murcia (1991-1998) que
se localiza no centro histórico de Murcia, no interior da Espanha, mais
especificamente na Plaza del Cardenal Belluga.
No local onde a prefeitura foi construída havia uma antiga casa barroca da
burguesia que veio a ser demolida criando um vazio em torno da Plaza del Cardenal Belluga. Depois
disso, foi realizado um concurso para o novo conselho municipal que conseguiria
moldar a preencher o vazio e estabelecer a presença do poder civil na praça,
resgatando o caráter da praça. Mesmo com o concurso, a gestão da cidade não
estava satisfeita com o resultado do edifício e após algum tempo o nome de
Rafael Moneo surgiu para dar continuidade ao projeto.
A Plaza del Cardenal Belluga teve sua origem na expansão que a cidade
teve no século XVIII, a igreja e a burguesia da cidade foram representadas por
meio dos edifícios que circundam. A praça possui quatro frentes distintas, cada
uma com seu caráter. Em primeiro lugar, está a fachada monumental da Catedral
que o arquiteto Jaime Bort projetou em 1754, em seguida, o Palacio del Cardenal
Belluga, no qual o arquiteto Baltasar Canestro interveio entre 1765 e 1768,
depois um conjunto de casas construídas pela a burguesia local no início do
século XX e, por último, a Prefeitura de Murcia. É inegável a importância da
praça para a cidade, com um conjunto de edifícios únicos: a Catedral, o
Palácio, a Prefeitura e o conjunto de casas burguesas do início do século XX.
Relação
da Prefeitura com o Palácio. FONTE: https://veredes.es/blog/moneo-desde-la-idea-fachada-marcelo-gardinetti/
Rafael Moneo pretende
mostrar com o projeto Murcia que o respeito pelo que existe não é um obstáculo
para uma boa arquitetura. Para o arquiteto, a fachada foi entendida como o
elemento de maior importância para composição e o significado do edifício. Por
essa razão, Moneo experimentou várias vezes em um modelo as diferentes possibilidades
da fachada, a ideia era criar um do
enquadramento visual das arquiteturas existentes e uma forma de se relacionar
com o centro histórico. Além
disso, queria expressar dignidade para a instituição. Podemos elencar várias
inspirações de Rafael Moneo para o projeto do edifício, como: Teatro de
Sabratha na Libia, Casa Fascio de Giuseppe Terragini e a La Tourette de Le
Corbusier.
“Eu aprendi muito com o enquadramento outras arquiteturas
de le Corbusier que fez muito essa ação, algo que é uma ação teatral muito eficaz
para localizar e valorizar a arquitetura que rodeia e essa era a minha intenção
aqui.” Rafael Moneo, sobre a Prefeitura de Murcia.
La Tourette de Le Corbusier e um Teatro romano. FONTE: https://veredes.es/blog/moneo-desde-la-idea-fachada-marcelo-gardinetti/
O volume da Prefeitura ocupa o lote
inteiro e é entendido como um prisma regular que recua em seu terreno para
facilitar a ligação das ruas com a praça. Contudo, não se abre para a praça,
mas para um pátio rebaixado que faz com que a Prefeitura não cria uma
competição com a Catedral A fachada, que não é subordinada aos pés direitos do
edifício, foi elaborada de forma a adquirir um caráter monumental e teatral onde
a cena principal é a varanda que reflete a catedral. O edifício atua como plano
de fundo coexistindo com a Catedral e a praça. Sendo assim, essas aberturas da
fachada são concebidas para dramatizar os monumentos históricos circundantes,
algo que Le Corbusier fez em La Tourette. Por fim, a varanda assume um caráter
decisivo na fachada. Símbolo do poder cívico, fica na mesma altura do
andar principal do palácio do cardeal, e a silhueta da catedral se reflete em
sua janela.
Na fachada, não só o design ganha
importância, a insolação e conforto térmico também são levados em consideração,
pois é a luz durante o dia que cria diferentes espaços e ambientes na fachada a
partir do retábulo, e isso gera um contraste entre cheio e vazio, criando
dinâmicas e transições com profundidades e um jogo de luz durante todo dia.
Moneo dá
atenção ao espaço urbano sem esquecer o carácter representativo do seu
edifício, pelo qual assume um papel de espectador
que não obscurece o protagonismo dos restantes edifícios. O
arquiteto na hora da implantação, afunda-se na praça onde seus motivos eram: canalização
do fluxo de gente vindo das ruas, mais espaço sem ter muita altura e cedendo da
praça aos edifícios históricos sem competir com eles. O Palácio Episcopal
começa a definir componentes para o desenho da fachada, determinando as linhas
de base básicas, corpo e acabamento.
Fotos
da relação do edifício com a Catedral. FONTE: https://veredes.es/blog/moneo-desde-la-idea-fachada-marcelo-gardinetti/
Para analisar o desenho da Prefeitura de
Murcia, é preciso primeiro entender os elementos que a compõem: a fachada que
foi pensada como elemento principal e que deve confrontar o local implantado, o
muro que significa fortaleza, que é o que o edifício cívico deve representar e o
pilar, elemento que apoia toda a edificação. Quando é entendido o significado
de cada elemento que Moneo usa, é perceptível como a fachada alcançou o que se
pretendia como edifício, criando um elemento que confronta e impõe seu papel de
protetor como edifício cívico e que apoia toda a cidade. É inegável que, essas
relações criam uma independência da fachada com o resto do edifício.
Na fachada, existem apenas dois elementos
contínuos verticalmente e, elementos horizontais que são as vigas do prédio,
mas estas não têm continuidade com o interior. Além disso, criam visualmente uma
base para o edifício. O arquiteto na fachada não pretende mostrar a estrutura
do edifício, mas por meio de alguns elementos tenta dar a ideia de uma
estrutura existente. A verdadeira estrutura está dentro, que não tenta
esconde-la porque na fachada você pode ver duas colunas, a estrutura do
edifício não é mostrada porque está isolada da fachada. Isso torna possível a
fachada se desvincular da Prefeitura, mostrando assim este como o elemento mais
importante.
Ao separar esses dois (a fachada e o edifício em si) o que o autor consegue é criar um espaço de transição entre o interior e o exterior do edifício. Quando você isola a estrutura do edifício da fachada, a fachada torna-se um elemento organizado para mostrar uma imagem ao ambiente que ela enfrenta. A prefeitura de Murcia possui lajes regulares de concreto com sistema de sustentação de pilares que circunda o perímetro e subdivide o interior em seções. No exterior é destacado a opacidade da superfície e a integridade estrutural escondida dentro ela.
Contudo, a postura do arquiteto de
respeito aos demais edifícios da praça condiciona a Prefeitura de Murcia a ser
um edifício fadado ao ofuscamento, ou seja, ele está na praça como espectador e
não como protagonista. Depois de toda descrição do objeto em estudo, é
perceptível que o elemento mais importante do edifício não faz parte do
edifício e é a Catedral de Murcia, pois é partir dela que o edifício é pensado.
Por mais que esse respeito seja uma postura importante no cenário do arquiteto,
o edifício já nasceu como condicionado e não como condicionante, ou seja, ele é
silenciado por todos edifícios da praça
Além disso, pouco se fala do edifício em
si, e sim, de sua fachada. É como se toda a compartimentação da Prefeitura de
Murcia não importasse como edificação e apenas sua fachada chama sua atenção. A
arquitetura deve ser pensada como um todo e não em etapas.
Solá-Morales (1985, p.252 ) exemplifica que
“O projeto de uma nova obra de arquitetura não somente se aproxima fisicamente
da que já existe, estabelecendo com ela uma relação visual e espacial, como
cria uma interpretação genuína do material histórico com o qual tem de lidar ”, é perceptível a
influência de Sola-Morales na postura de Rafael Moneo na Prefeitura de Murcia,
pois ele tem o cuidado de interligar todo o edifício com a Praça, seja quando
ele pega as medidas do Palácio para alinhar os pés direitos da Prefeitura, ou
criar os retábulos da fachada para enquadrar a Catedral.
Outra análise que percebemos no texto de
Sola-Morales (1985, p.252 ) é quando o autor exemplifica que o homem moderno não se
interessa mais pelo monumento histórico em si, mas o que esse monumento pode
proporcionar no sentido de sensibilidade do espaço-tempo que essa obra viveu. A
Plaza del Cardenal Belluga proporciona
ao visitante uma viagem no tempo sobre arquitetura. Porém, o edifício da
Prefeitura de Murcia deveria se impor mais como edifício contemporâneo para a
contemplação de uma nova arquitetura.
O edifício da Prefeitura de Murcia teve
que enfrentar um lugar já construído e de muita importância. Moneo interpreta a
Plaza del Cadernal Belluga não apenas como espaço, mas como lugar.
Depreende-se
dessa ideia de lugar outra análise feita por nós. Aldo Rossi em seu texto Uma
Arquitetura Analógica (1975), conforme citado por Nesbitt (2006, p. 377) explicou
o método de projeto utilizado por ele para conceber suas obras. Esse por sua
vez é baseado na “operação lógico-formal” da analogia, segundo um psicanalista
chamado Carl Gustav Jung, “Pensamento "lógico" é o que se exprime em palavras
dirigidas ao mundo exterior na forma de discurso. Pensamento
"analógico" é percebido, ainda que irreal, imaginado mesmo que
silencioso; não é um discurso, mas uma meditação sobre temas do passado, um
monólogo interior”
Nesse
sentido, Rossi utiliza o termo “analógico” no significado de recuperação de uma
ideia do passado. No caso da concepção do projeto da Prefeitura de Murcia,
quando entendida a relevância da praça e dos edifícios históricos ao seu redor,
é possível compreender essa imagem da memória e toda a sensibilidade que ela
transmite ao edifício da prefeitura. Isso que difere o espaço do lugar, toda a
consideração histórico-cultural de onde a arquitetura se insere, característica
profunda da obra de Moneo.
Ainda
nesse contexto, é possível dizer que Moneo obteve referências diretas da “arquitetura
analógica” de Rossi para o projeto da própria fachada da Prefeitura de Murcia. Alan
Colqhoun, de acordo com citação de Nesbitt (2006, p. 378), classifica a
produção de Rossi como poética, surreal e anormal, ainda que seja racional.
Baseado nisso, é possível notar uma proximidade entre os dois arquitetos nesse ponto.
Por mais que Rafael Moneo utilize da racionalidade da forma ou a geometria
simples presente no retábulo da fachada, o que se espera criar com todo esse princípio
de projeto, foi uma arquitetura passível de interpretação sensível e poética,
como um monólogo da praça com o edifício. A obra observa, atribuída de toda
linguagem contemporânea, a Praça e os seus grandiosos edifícios do passado, sem
dizer nada, apenas conferindo respeito às memórias.
Departamento
Regional de Trieste, Itália. Projeto de Aldo Rossi Fonte: https://www.moma.org/collection/works/100
Nesse projeto Rossi utilizou a
arquitetura analógica como premissa de projeto. O lugar cedeu
"memórias" que contribuíram para o partido do projeto, como a
plataforma de pedra que recordou as antigas fundações das velhas estações
ferroviárias.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, concluímos que o
edifício emblemático da Prefeitura de Múrcia para as questões de patrimônio
histórico na arquitetura, representou muito mais que uma intervenção exitosa em
um centro histórico. Significou respeito e observação dos precedentes, mantendo
seu caráter representativo de uma obra contemporânea. Rafael Moneo caracterizou
a interpretação das suas memórias na elaboração do seu projeto, ocasionando à
nova arquitetura uma condição de uma espectadora que admira seu passado, mas
que vive o seu presente. O edifício mesmo sendo silencioso tem voz de
arquitetura. Mesmo silente, indaga e chama a atenção. Como quem observa, se
insere corretamente onde pertence.
REFERÊNCIAS
BITTENCOURT,
Marcos de S. Q. A relação entre o antigo e o novo em duas obras de Rafael
Moneo. 2017
GAYTÁN, Juan-Carlos
Molina. Modificaciones del entorno de la Catedral de Murcia: La plaza
Belluga y sus aledaños em el siglo XX. 2015
NESBITT, Kate (Org.). Uma nova agenda para a arquitetura. Antologia teórica (1965-1995). Coleção Face Norte, volume 10. São Paulo, Cosac Naify, 2006.
REGO, Renato Leão. Estratégias
e não estilo- Notas sobre o trabalho de Rafael Moneo. Vitruvius, 2001.
Disponível em:
<https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.011/901>.
Acesso em: 22/10/20.
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